“E foram felizes para sempre…”

É o que contam os contos da nossa infância. Só não nos contaram que esta é uma meta inalcançável. E nós seguimos perseguindo o impossível, não porque a felicidade não exista, mas simplesmente porque não há felicidade permanente, completa e imutável. Ela se faz presente em momentos, muitas vezes simples, e pode coexistir com outros sentimentos, digamos, incômodos. Podemos ter setores da vida em que nos sentimos mais realizados, outros nem tanto. 

Mas o texto de hoje não é sobre a busca pela felicidade. É sobre a necessidade de parecer feliz, mesmo sem estar. É sobre o direito de sentir a infelicidade, o direito de viver a turbulência. Tudo isso potencializado pelas redes sociais, que mostram diariamente frames das vidas das pessoas, próximas ou não. Os melhores frames, os melhores momentos. Ninguém quer registrar o tropeço, a angústia, o dia ruim. E tudo bem, cada um mostra o que e o tanto que deseja. Nós, do outro lado da tela, é que precisamos treinar nosso cérebro para entender que aquilo é um fragmento de vida (muitas vezes nem real) e que tudo bem não estar se sentindo feliz nesse momento. Mas é difícil dizer isso para uma mente que foi doutrinada a não sentir e não aceitar sentimentos “ruins”. 

Eu venho da infância do “não chore, tá tudo bem, não foi nada, seja forte, não pode sentir raiva, menos ainda externar, tem que estar sempre sorrindo e de bem com a vida, afinal, você é uma privilegiada, minha filha, você tem tudo, vai reclamar do quê?”. Aprendemos a varrer pra debaixo do tapete os sentimentos que são considerados ruins pela sociedade, mas que são absolutamente inerentes ao ser humano. Vamos nos anestesiando, até não sentirmos mais nada. Nem a própria felicidade, que tanto perseguimos e que está ali, nos pequenos gestos, nas miudezas do dia-a-dia. No sorriso de um filho, naquela música favorita que tocou bem naquele minuto, no cheiro da comida preferida saindo do forno, no abraço fora de hora (quem disse que tem hora pra isso?). Seguimos esperando uma grande materialização de felicidade plena e a perdemos nos momentos porque não estamos atentos. E porque não nos ensinaram e nem nos permitiram sentir. Isso não é uma crítica aos meus antepassados. Eles fizeram o que podiam com as ferramentas que tinham, do jeito que foram ensinados, acreditando estarem fazendo o melhor. E eu, hoje mãe, também me pego repetindo esses padrões com meus filhos. Reprogramar nossa mente é uma tarefa hercúlea e que exige muita obstinação, vontade e, sobretudo, coragem para encarar nossas próprias sombras. 

Eu mesma procrastinei esse texto porque foi difícil bater de frente com os sentimentos incômodos: frustração, raiva, tristeza, falta de perspectiva. E assumir que eles estavam ali. Nomear cada um deles, reconhecê-los, senti-los pra depois me desapegar. Parece um paradoxo, mas quanto mais negamos um sentimento, tentamos escondê-lo, mais parece que ele se faz presente. Eu não quero me apegar a nenhum deles, mas quero me permitir senti-los sem julgamento, vergonha ou medo, para poder me despedir com leveza e deixar minha mente livre e atenta aos momentos bons, às pequenas felicidades.

Foto de capa: @cafais

Daniela é jornalista e locutora há 15 anos, mãe do Gael, de quase 4 anos, e da Maia, de 6 meses. O estresse da cidade grande a fez encontrar, no yoga, um caminho de autoconhecimento. Mas foi na primeira gestação que pôde se aprofundar na potência do próprio corpo. Dois partos naturais depois, segue na busca pelo equilíbrio mental e físico e em formas menos danosas de existir no mundo. Apaixonada por viagens e viciada em café.

Um comentário em “A ditadura da felicidade

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