Eu demorei 32 anos pra fazer minha primeira (e, por enquanto, única) tatuagem. Quatro motivos me impediam. O primeiro era que eu achava que o desenho precisava ter um grande significado. O que me levava à segunda razão: como saber se o que faz sentido hoje, fará amanhã? Meu terceiro impedimento era não conseguir me visualizar uma idosa tatuada. A pele enrugada com desenhos indefinidos e distorcidos me causava estranheza. O último entrave era a dor, mas esse era menos importante que os demais.

Foi quando, em uma conversa sobre este assunto com uma amiga, ela me disse algo que fez todo o sentido e foi o empurrão que eu precisava pra abandonar os meus receios. “Todos nós temos tantas marcas indesejadas: um corte, uma ferida, espinhas, uma cicatriz de alguma cirurgia, uma queimadura. A tatuagem é uma marca que a gente escolhe, entre as tantas outras que nos foram impostas”. Aquilo foi revolucionário e me tocou profundamente. E não tinha só a ver com rabiscar ou não alguma parte de mim, mas de me apropriar do meu corpo, pelo menos desta vez. Digo desta vez porque nossos corpos femininos nunca puderam ter voz na sociedade patriarcal em que vivemos. Uma sociedade que os domina e os silencia, dizendo como eles têm de ser cobertos, como é apropriado que se movimentem, quando e como devem gerar outra vida, mesmo quando esta outra vida não é desejada. Entupiram nossos corpos de hormônios dizendo que era a única saída possível. Não tivemos e ainda não temos muitas escolhas.

Bem, agora havia uma e era só minha, bastava vencer todas essas crenças limitantes que, no fim, giravam em torno de uma mesma questão: a inconstância da vida e suas impermanências. Como imprimir algo imutável em um corpo (e mente) em constante transformação?

Fica mais fácil quando a gente entende que aquela marca é parte de quem fomos e conta uma trajetória que nos traz a quem somos hoje. Esse pensamento me fez olhar com mais carinho até mesmo para as cicatrizes que eu não escolhi. Como me disse outra sábia amiga: o corpo regenera e ainda, graciosamente, nos deixa uma história.

Acabei tatuando algo que tinha um significado à época: a flor de lótus. “O lótus vai subindo à superfície para florescer com notável beleza. O simbolismo está especialmente nesta capacidade de enfrentar a escuridão e florescer tão limpa, tão bonita e tão especial para tantas pessoas.”.

Daniela é jornalista e locutora há 15 anos, mãe do Gael, de quase 4 anos, e da Maia, de 6 meses. O estresse da cidade grande a fez encontrar, no yoga, um caminho de autoconhecimento. Mas foi na primeira gestação que pôde se aprofundar na potência do próprio corpo. Dois partos naturais depois, segue na busca pelo equilíbrio mental e físico e em formas menos danosas de existir no mundo. Apaixonada por viagens e viciada em café.

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